ars athletica
Sónia Calvário
Caster Semenya, nascida em 1991, na África do Sul, recordista, bicampeã olímpica (2012 e 2016), e campeã mundial (2017) de 800 metros, é uma atleta intersexual (sofre de hiperandroginismo – o organismo produz elevados níveis de testosterona). O seu excecional desempenho motivou, após crescente contestação, além de testes de género (!), a determinação, por parte da federação internacional de Atletismo (IAAF), de níveis máximos de testosterona nas atletas, exigindo, para competições entre os 400 e os 1600 metros, a sua redução, por via medicamentosa. Inconformada, Semenya recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS), em Lausanne, na Suíça, e perdeu a ação, apesar de o coletivo de juízes ter reconhecido a discriminação em prol da justiça desportiva.
Um dos critérios de organização das competições desportivas tem sido o sexo. Este, de acordo com a OMS, é ditado por características biológicas e fisiológicas: os homens têm mais testosterona e, por isso, mais massa muscular, força e velocidade, com diferenças também na estrutura óssea; as mulheres, devido aos níveis de estrogénio, têm mais elasticidade. Curioso é que competições como o Xadrez mantenham o critério binário, sem justificação, uma vez que não existem diferenças que potenciem vantagens de um sexo sobre o outro. Por outro lado, e com interesse para este assunto, o Género é uma representação social, consubstanciada no papel que a sociedade atribui e espera dos indivíduos, enquanto Mulheres e Homens. Finalmente, interessa referir que a Identidade de Género é a sensação que cada um tem sobre o seu Género.
O Comité Olímpico Internacional (COI) tem vindo a abordar a questão dos níveis de testosterona, mas por causa dos atletas transexuais, aliás como a Agência Mundial de Antidopagem (WADA). Quando a mudança de sexo é de Mulher para Homem (MpH) não existem, atualmente, quaisquer restrições para a competição, uma vez que não está provada qualquer vantagem (mas e a ginástica artística?); quando é de HpM o COI impõe diretrizes, nomeadamente de limites máximos da hormona dita masculina, em consonância com o estudo realizado em 2015, no âmbito do atletismo, cabendo, porém, às federações (internacionais) das modalidades a definição dos critérios de participação nas suas competições, havendo, como seria de esperar, disparidade entre elas.
Semenya, tal como a indiana Dutee Chant, e outras atletas, vêm-se obrigadas, para competir nalgumas provas, a fazer tratamentos que reduzam uma característica biológica: a produção de testosterona. Mas, não têm também as/os atletas oriundos e que vivem em locais de elevada altitude uma vantagem biológica?
Se, relativamente, aos transexuais a questão tem vindo a ser resolvida, havendo em muitas modalidades trans HpM em competições femininas; no caso de Semenya ou de Chant, estamos a falar de atletas que se identificam com o género feminino, mas que produzem elevados níveis da hormona masculina.
Biologia vs Ética? Ainda agora começou…