letras soltas
Maria João
Maria João/Sónia Calvário||Expoente M Rádio
A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração. Quando menos esperamos, a vida vem e mostra-nos o verdadeiro valor do tempo que correu e não volta mais…
Para ti
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Ela usava sorrisos
Sinceros de amizade
Que tocavam mais fundo
Com as mãos que estendia
Sempre de sorriso vestido
e de boa disposição
foi assim que a conheci há umas dezenas de anos atrás
Lutadora
Mulher de garra
Segurava a vida como o melhor velejador do mundo
Conduzindo-a velozmente
muitas vezes contra a corrente
Sempre de cabeça erguida
E com palavras sábias para todos
os que com ela partilhavam as horas do seu tempo
Mãe com M grande
Carinhosa e sensível
Mulher de sonhos e projetos
Valente e otimista
Criativa de alma
Tudo onde mexia ganhava vida, renascia
Iluminava de tanta expressividade
Respirava arte e cultura
Educava com o gesto do fazer
Do exemplo da mudança
Deixando a sua marca própria
Pelo caminho que trilhava
O palco chamava por ela
Como libertação do ser
Respiro de vida que enchia o peito
Perseverante
Desempenhava todos os papéis
com o amor que transparecia nos seus olhos
Mulher Expoente
Ela…Ficou connosco
Aqui, agora e sempre!
Maria João
Conheci-a quando eramos adolescentes. Não falávamos. Nunca se proporcionou, apesar do meio pequeno e dos amigos em comum. Mas, senti sempre que, inexplicavelmente, algo nos ligava. Dava pela sua presença, mesmo nos espaços repletos de “malta”. Por altura da preparação do FIBD, em 2016, surgiu a primeira conversa. Breve. Teceu algumas críticas construtivas ao trabalho autárquico na área da cultura, deu sugestões e elogiou. Passámos a cumprimentar-nos. Não falávamos. Não se proporcionava, apesar do meio pequeno, dos amigos em comum e dos diversos eventos e iniciativas culturais em que ambas marcávamos presença. Quando surgiu a ideia de fazer uma exposição de valorização das artistas mulheres contactei‑a, para assumir a curadoria. A surpresa momentânea inicial logo deu lugar ao entusiasmo e ao trabalho. E, através dela, a possibilidade de conhecer muitas pessoas interessantes, uma em particular, que enveredou connosco nesse singular projeto. Incluíram-me na sua linda amizade. Em pouco mais de um ano nasceu e cresceu uma conexão que jamais esquecerei. Bela e genuína. Interrompida, em parte, pela injustiça da vida. Continuada, noutra, pelo inestimável legado que deixou. Sempre senti que, inexplicavelmente, algo nos ligava.
Agradeço à Maria João por ter traduzido esta minha história e sentimentos nas suas “letras soltas”. O poema foi escrito em junho. Sai agora à cena, neste mês especial, em que se assinala a luta das mulheres pela igualdade de oportunidades, em que invariavelmente nos lembramos de muitas que nunca viraram costas à luta e à intervenção na sociedade. No dia 8 de março, há dois anos, foi inaugurada a Senhora de Mim||Exposição no Feminino. A terceira edição está para breve.
Sónia Calvário