Marias
Leopoldina Pina de Almeida
Texto escrito por Xana Melão, arquitecta e dinamizadora do Laboratório EntreMarias de 23 de Abril
A escritora norte-americana Jane Jacobs escreveu: “Os seres humanos, é óbvio, fazem parte da natureza, assim como os ursos-pardos e as abelhas e as baleias e a cana de açúcar. Sendo produto de uma forma de natureza, as cidades dos seres humanos são tão naturais quanto os locais onde vivem os cachorros-do-mato ou as colónias de ostras.” Entender as cidades como habitat natural do homem, e o homem como parte da natureza leva-nos a questionar de que natureza estamos a falar. Os nossos espaços construídos, muitas das vezes a régua e esquadro, mais parecem criar barreiras em vez de procurarem o tão necessário equilíbrio, entre esses dois mundos que insistimos em separar.
Estudos científicos recentes demonstram uma tendência clara para um aumento significativo das temperaturas superficiais e para a frequência de ocorrência de episódios de temperaturas extremas na zona sul da Península Ibérica. Os alentejanos conhecem bem estes dias de “calma” mas será que estamos preparados para os seus impactos? Se por Habitat entendermos o local cujas condições físicas e geográficas são favoráveis à vida, torna-se necessário colocar a pergunta: será que as nossas cidades conseguirão satisfazer as mais diversas necessidades básicas como proteção, segurança, subsistência, lazer, prazer, identidade, perante tais transformações?
O arquitecto Távora identifica duas posições perante um mundo em completa transformação, carente de uma revisão e de uma estruturação de todo o sistema de relações e de valores: as dos que afirmam que o homem está mergulhado num processo de decadência e os daqueles que reconhecem a necessidade de uma profunda transformação. O extraordinário nessa construção que é a cidade, é que ela é uma construção no tempo, e se por um lado espelha os paradoxos da existência humana, por outro tem a capacidade de se transformar, haja engenho e visão.
Mas se pensamos que o desenho de cidade apenas diz respeito a arquitectos, urbanistas e engenheiros então é porque ainda não percebemos que a cidade diz respeito ao colectivo e como tal é uma construção colectiva.
Assim fica a pergunta: que cidade queremos construir?